Semana passada estava trabalhando num contrato bem específico, sabe quando você tem vontade alterar tudo e reescrever? Então, estava nesse ponto, mas considerando que a minuta tinha sido elaborada por um outro advogado, respirei fundo, passei um café, e alterei o mínimo para proteger meu cliente. Aliás, esse pra mim é um dos principais objetivos de um contrato bem-feito, proteger meus clientes de prejuízos, e demandas futuras.
E entre um leitura e releitura de cláusulas, liga um cliente para agendar um horário, como de praxe pedi para adiantar o assunto, até mesmo para verificar minha agenda, pois em caso de prazo, ou audiência preciso adequar a urgência, mas o cliente justificou que não tinha urgência, mas preferia que a conversa fosse pessoalmente, e pelo tom de voz entendi que sim, havia uma urgência, não a processual como já nos acostumamos, e sim a urgência de dividir, desabafar, relatar o ocorrido.
No dia e horário combinado, o cliente sempre sorridente, com fala aguda, e energia contagiante, recusou o café, e começou a relatar o que havia acontecido nos dias anteriores, me esforcei para ouvir, inclinando a cabeça tentando me aproximar, pois a voz potente tinha sido substituída por sussurros quase que inaudíveis, as lágrimas que britavam silenciosamente, escorregaram, seguindo o curso das linhas de expressão já latentes num senhor que cruzou seus sessenta e oito anos, e o que eu sempre achei um defeito gave, naquele dia me salvou, não sou emotiva, e isso me deu serenidade para uma escuta atenta, minha emoção estava controlada, e puder dar atenção irrestrita ao cliente.
Ao narrar todo o ocorrido, foi tomada por uma revolta, uma indignação, uma emoção que também não faz parte da minha advocacia predominantemente empresarial, lido diariamente com empresas, com CNPJ´s, é claro que a cada inscrição de pessoa jurídica há diversos CPF´s, mas de forma geral são temas menos passionais.
Bom mesmo sendo um profissional experiente, com curso superior e qualificação valorizada no mercado de trabalho, esse cliente foi demitido menos de 24 horas após apresentar um laudo médico ao departamento de recursos humanos da empresa que trabalhava.
Após algumas ausências, e ainda assimilando o diagnostico que tinha recebido há poucos dias, esse cliente, como de praxe entregou na empresa o documento médico que justificaria sua ausência, mas no dia seguinte foi chamado por seu supervisor, e teve seu contrato de trabalho rescindido, sem justificativa, afinal o empregador tem o poder diretivo de demitir, artigo 2º. da CLT.
Ainda tentando assimilar o diagnóstico de HIV, o trabalhador tinha que lidar com a ruptura do seu contrato de trabalho nesse momento de total vulnerabilidade, na data agendada o empregador realizou o pagamento de todos os valores advindos da verba rescisória, e ainda tinha o direito ao seguro desemprego, e ainda em caso de evolução da doença, que o tornasse incapacitante, o trabalhador poderia pleitear o benefício de auxílio-doença, ou aposentadoria por invalidez, dependendo de perícia médica para atestar sua eventual incapacidade laborativa.
Pois bem, esse caso pode sim ser considerado uma dispensa discriminatória, que de forma simplista explico, essa ocorre quando o empregador demite um funcionário sem uma justificativa legítima, e acredita-se que a dispensa ocorreu com base em discriminação.
Sobre a situação narrada aqui, o Tribunal Superior do Trabalho, em Súmula 443 , presume como discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito, diante da ausência de provas em contrário, fato que se configurado consagraria o direito do trabalhadora a reintegração ao seu posto de trabalho.